Pesquisa inédita aponta que preconceito no ambiente escolar vem 'de casa'
Aos 23 anos, Juliana Queiroz dos Santos lembra bem de como se sentia quando era xingada de "macaca" e "neguinha fedorenta" pelos próprios colegas da escola estadual onde estudava. "Eu estava no primário. Era muito humilhante, mas, como eu era nova, não sabia nem como reagir", conta. Assim como acontecia com Juliana, que hoje é universitária, a maior parte (83,8%) das atitudes preconceituosas e de discriminação no ambiente escolar é explicada por preconceitos dos próprios alunos. Esse dado faz parte de uma pesquisa inédita realizada em escolas públicas de todo o país e divulgada nesta quarta-feira (17). A pesquisa nos mostra que o preconceito vem de casa, da formação farmiliar, e o trabalho para acabar com a discriminação transcende a atuação da escola”, afirma José Afonso Mazzon, professor da FEA e coordenador do trabalho. "O que preocupa é que esses alunos serão, no futuro, pais de família e passarão isso aos seus filhos."O estudo foi realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pedido do Ministério da Educação (MEC). Foram entrevistadas 18.599 pessoas, entre estudantes a partir dos 14 anos de idade, professores, diretores e funcionários de escolas e pais e mães de alunos de 501 escolas em 26 estados e no Distrito Federal. Foram analisados preconceitos de diversas naturezas: racial, sócio-econômico, de gênero, de orientação sexual, geracional, territorial e o relacionado a pessoas com necessidades especiais (física e mental). Alunos negros (19%), seguidos de pobres (18,2%) e homossexuais (17,4%) fazem parte dos grupos que sofrem mais ações discriminatórias nas escolas. Os resultados da pesquisa ainda serão analisados pelo MEC para elaborar políticas educacionais nesse sentido. "O preconceito não é algo exclusivo das escolas, portanto os municípios têm que envolver os conselhos escolares, a comunidade local e as famílias para melhorar o ambiente escolar", afirma Daniel Ximenez, diretor de estudos e acompanhamento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do MEC. Na avaliação de Mazzon, as "mudanças necessárias para acabar com o preconceito na escola levarão gerações para surtirem efeito".
Na escola, alunos religiosos são os mais preconceituosos em relação aos gays
Estudantes que têm uma participação religiosa mais ativa são os mais preconceituosos em relação aos colegas homossexuais. Comparando com os alunos em geral, a porcentagem de variação da atitude discriminatória é 6,1% maior no grupo religioso. Por outro lado, quanto mais os alunos tiverem acesso à mídia menos atitudes discriminatórias terão. Segundo pesquisa divulgada nesta quarta-feira (17) pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) feita para o Ministério da Educação (MEC), a cada ponto em que a pessoa é exposta à informação, numa escala de 1 a 9, o nível de preconceito diminui em 0,8%. “O estudo nos mostra que o preconceito está disseminado nas escolas entre alunos, professores e familiares”, afirma José Afonso Mazzon, professor da FEA-USP e coordenador do trabalho. “Além disso, eles têm uma percepção de que são menos preconceituosos do que realmente o são: 99,3% dos entrevistados manifestaram algum tipo de preconceito e 99,9% desejam manter certa distância de determinados grupos.”
Negros relatam sofrer preconceito no ensino superior
Foi na universidade que Cleiton Silva Menezes, 21 anos, enfrentou a situação mais humilhante de sua vida. Negro e portador de deficiência física que afeta a coordenação motora, ele foi barrado pelos seguranças na saída do estacionamento. O motivo? Os vigias acharam que o jovem estivesse roubando um carro. "Eu dirigia o carro do meu pai, mas disseram que eu não tinha como ter um carro daquele nem ser aluno dali", afirma Cleiton, que cursava economia em uma universidade particular da Grande São Paulo. Mesmo com o documento do carro e a carteira de estudante em mãos, Cleiton foi retido até o estacionamento esvaziar. "Só aí se convenceram de que eu era o dono." De tão humilhado, o jovem nem fez um boletim de ocorrência. "Se fosse hoje, não toleraria de jeito nenhum. Sou mais consciente dos meus direitos."
Preconceito
"É o famoso racismo institucional. Há uma inércia racista na sociedade e, na universidade, não é diferente", afirma José Jorge Carvalho, professor de antropologia da Universidade de Brasília (UnB) e autor do projeto de cotas adotado pela instituição."As universidades são embranquecidas. Muitos negros não conseguem participar de programas de iniciação científica da faculdade, por exemplo, apesar de preencherem os requisitos. Quando depende de entrevista ou da indicação de um professor, são barrados", afirma Carvalho, que, em dezembro, lança um livro sobre racismo institucional, especificamente no Ministério Público Federal. Segundo a professora Patrícia Maria Leandro, 39 anos, que diz já ter sofrido preconceito, é muito importante que os pais ensinem aos seus filhos as suas origens, para que não aceitem a discriminação de qualquer ordem, principalmente a de raça. "Em sala de aula, ensino a história e a cultura negra para que cresçam cidadãos plenos."
Estatística
Quando um negro consegue chegar na universidade, ele já está na contramão de uma estatística desfavorável. Entre os jovens de 18 a 24 anos no nível superior, somente cerca de 25% são negros e pardos, enquanto os brancos são quase 58%. Daniel Gilberto Ferreira da Silva, 20 anos, sabe bem disso. Ele quase não tem colegas negros na universidade federal paulista onde estuda. Daniel conta que vê dois ou três negros no período diurno. "Somos mesmo muito poucos. E professor negro, só tive um", afirma Daniel.Esses percentuais fazem parte da Síntese de Indicadores Sociais 2007, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A base do estudo é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O Ministério da Educação (MEC) não dispõe de dados sobre negros no ensino superior. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão ligado ao MEC, a pergunta sobre raça no Censo da Educação Superior é opcional e, como poucos a respondem, ela não é estatiscamente significante.
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